quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

.da Iatrogenia, dor lombar e profissionais de saúde

Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
[A influência má dos signos do zodíaco.]

  Profundissimamente hipocondríaco, 
  Este ambiente me causa repugnância...    



Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia    
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas 
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los, 
E há-de deixar-me apenas os cabelos, 
Na frialdade inorgânica da terra!
Augusto dos anjos -  ANJOS, A. Eu e Outras Poesias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.


Trata-se de um facto concreto o reconhecimento das esferas que vão além do físico (PSÍQUICA E SOCIAL), nos quadros de dor lombar persistente, embora a própria esfera física (BIO)  não seja rejeitada nos modelos mais modernos que visam entender o fenômeno Dor.



Os Aborígenes Australianos, do latim, ab origine: desde o início , os donos daquele continente, hoje reduzidos a 670.000 sujeitos, cerca de 3% da população da Austrália, provavelmente o primeiro grupamento de homens modernos a migrar do continente Africano. A redução de seu povo não foge a regra da desgraça chamada colonialismo. [tema para uma outra discussão] 


<http://www.dgabc.com.br/Noticia/209311/australia-pede-perdao-a-aborigenes-por-injusticas-da-colonizacao->




Este maravilhoso povo, possivelmente por sua sólida resistência ao único e verdadeiro deus, o tempo - Chronos -, traz consigo ainda sua cultura mística bem formada, inda que possivelmente tocados pela mão do cristo hebreu quando os europeus desembarcaram por lá.

Representação Social da religiosidade deste povo está atrelada ao Animismo, onde parece haver uma fusão entre o mundo espiritual e o universo físico.




Se traçarmos um paralelo entre o povo original da Austrália com sua religiosidade que os une a natureza, sem a presença dos panteões tradicionais que observamos no politeísmo europeu ou mesmo nas cruéis religiões monoteístas, em especial o cristianismo, onde há uma clara separação entre o mundo físico e um suposto mundo espiritual, onde tradicionalmente a carne é mortificada para a ascensão do espírito... veremos que ao longo dos tempos há ideia de sofrimento (dor) tende a reproduzir o sacrifício de عيسى [ʿĪsā], embora as visões desse fato tem pontos de divergência entre o القرآن [al-Qurʾān] e a bíblia dos cristãos. Para os seguidores do Profeta مُحَمَّد [Mohammed], Isa não foi crucificado, mas que ascendeu aos céus e este será uma testemunha contra os judeus no dia do julgamento final. Já os cristãos, tem usinado em suas memórias o sacrifício de Yeshua ben Yosef para salvar os homens de seus pecados (suas culpas/escolhas).







Sobre o Animismo - Opiniões de antropólogos




O valor moral de se ‘levar a sério’ [o animismo] tem frequentemente sido mais claro do que seu significado exato. [CANDEA, Matei. 2011]



Levando a sério aquilo que os intelectuais não conseguem levar a sério. [VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2011] - Precisamos descolinializar o pensamento.



Compreender o ponto de vista nativo, sua relação com a vida, sua visão de seu mundo. [MALINOWSKI, Bronislaw K. 1922]



E. B. Tylor, frequentemente considerado o pai fundador da Antropologia, buscou, e encontrou, na religião primitiva, uma arma que poderia, [ele] pensava, ser usada com efeito mortal contra o cristianismo. [EVANS-PRITCHARD, Edward E. 1956]




Aborígenes em foco 


Os Aborígenes Australianos, sob a óptica da ciência, eram protegidos contra o efeito devastador e incapacitante da dor lombar, embora a prevalência fosse alta.



Aborígenes não entendem a dor lombar como uma querela de saúde.

Assim como nós não nos amedrontamos com uma conjuntivite ou um resfriado, esse sábio povo entende como algo plenamente natural esta condição musculoesquelética que assola o planeta, como bem apontado no Global Bourden of desease. 

Porém com o passar dos anos, as comunidades Aborígenes, provavelmente começaram a ter mais contato com os invasores de suas terras e a realidade que havíamos falado pode ter sido alterada.


O estudo que serve de base para este texto visa fornecer uma análise aprofundada das crenças sobre dor lombar em pessoas aborígenes com quadros persistentes e sua relação com a tão temida incapacidade.


Os indivíduos que participaram deste estudo tiveram seu registro protegido pelas letra "G/R/D" seguida de um número. G/R/D aponta a localidade do intrevistado - Regiontown / Goldstone / Desertedge.


G11: Eles me deram um raio-x da parte de baixo das costas,... tudo está desgastado.


R5: Bem, eu fui informado por um médico especialista que poderia ser um nervo preso, isso antes de eu fazer minha primeira ressonância magnética. ... e como eu disse era apenas um osso econstando no outro (bem crocante) - Homem, 42 anos, muito incapacitado.


R13: Sugereriam a que eu tivesse artrose, então eu consegui fazer diversos exames de imagem na minha coluna, e então descobriram realmente uma artrose entre as vertebras L4/L5. - HOmem, 26 anos, moderadamente incapacitado.



Os resultados dos exames de imagem da coluna foram fundamentais
para os participantes acreditarem que a estrutura (danificada) fosse a causa de sua dor. 
R13: No começo, me senti um pouco estranho com eles [fisioterapeuta e quiropraxista]   dizendo que eu tinha artrose. Pensei que era uma piada. Então eles me mostraram os exames de imagem, que confirmaram, era deprimente e um pouco chocante, eu sendo um jovem e descobrindo que sofria de artrose. Não foi muito bom. 

R5: numa parte da lombar, não tenho um gel natural, por isso é que os ossos rangem ... foi depois da minha última ressonância que descobri isso.


Os pesquisadores perguntaram a R5 como ele se sentia em posse dessa informação. 


R5: Deprimido


Conselhos dados por profissionais, inclusive profissionais com muitos anos de experiência.



R6: Esse laudo disse que eu tinha um disco que podia escapar (escorregar) ... tudo depende de como farei meus movimentos ( levantar, sentar, curvar-me) -mulher, 55 anos, incapacidade leve.


R11: Eu já o tenho [o dano]. Está lá para o resto da minha vida.

R7: Atribuiu a falta de resultados nos exames de imagem  como uma má qualidade do equipamento radiológico da sua cidade. A falta de achados nos exames de imagem também resultaram em frustração com a inferência de que a dor que ele sentia não era legítima -  homem, 49 anos e incapacidade moderada.



A interação com profissionais de saúde forjados num modelo estrutural-patolgógico-anatômico (biomédico) foi fantasticamente horrível para esse nicho de pessoas analisadas neste estudo.

R12: Ter caido (batido) minha bunda deve ter estalado meu osso.Eu não tenho certeza.

D6: O médico disse que é só tensão nas costas, mas não pode ser verdade, pois tenho essa dor a 10 anos. - homem, 35 anos, pouca incapacidade.



Um futuro tenebroso


A maioria dos sujeitos analisados tinham visões muito ruins de futuro. Essa crença foi quase invariavelmente influenciada por interações com profissionais de saúde.

G5: À medida que você envelhece, as coisas começarão a ficar pior. você provavelmente estará em uma cadeira de rodas, ou algo assim. Foi o que os médicos me disseram. Afinal começaria com pinos e parafusos (numa cirurgia). - Homem, 30 anos, incapacidade moderada.

R5: O especialista em coluna colocou as cartas na mesa e me disse que se eu exagerasse acabaria numa cadeira de rodas. - Homem, 42 anos.

R13: Se eu não reduzir muito ou Parar de praticar esportes e tudo mais, você sabe, faz mais estragos na coluna ou ainda acaba em uma cadeira de rodas ... se eu não praticar esportes eu realmente não tenho nada ... Eu me sinto chateado, e não tenho vida. Estou ansioso para voltar para o campo. O que eu faço?- Homem, 26 anos, moderada incapacidade.

Os mais incapacitados buscavam alternativas ais passivas para "a cura" do seu problemas, estas alternativas se ligavam a crença estrutural da dor e a uma visão péssima do futuro.

R5: Bem, espero que eles [médicos especialistas] tomem uma boa decisão, eles conhecem do assunto mais que ninguém. Fusão vertebral ou corticóide, ainda não disseram. -Homem, 42 anos, incapacidade alta.



grand finale 


Não foi minha intenção transcrever o artigo do grupo do Peter O'Sullivan na íntegra. Houve mais uma série de análises. 


  • Alguns indivíduos tiveram uma visão positiva sobre seu futuro, acreditando que eles iriam melhorar. Em geral, essas pessoas estavam menos incapacitadas por dor. Eles relacionaram sua crença futura positiva com o que eles poderiam fazer para auto-gerenciar seu quadro de dor, um ponto de vista sugestivo de maior auto-eficácia (menor dependência da ação dos outros);

  • Indivíduos com crenças futuras negativas sem a crença de que havia uma questão estrutural ou anatômica subjacente. Na maioria dos casos, esses indivíduos não tinham certeza da causa de sua dor, e baseavam sua opinião em uma história familiar de dor nas costas ou sentiram que a piora da dor era inevitável com a chegada da idade;

  • Houve uma exceção. Um homem, tendo recebido conselhos de um profissional de saúde que contribuiu para uma perspectiva futura positiva. D4: Está tudo bem, o doutor [médico] considera que não é tão grave ... quanto mais tempo passar, melhores minhas costas ficarão. - Homem, 44 anos, pouco incapacitado. IMPORTÂNCIA DO REASSURANCE (acalmar o paciente) DO MÉDICO, PAPEL QUE ESTE GERALMENTE NÃO ASSUME AQUI NO BRASIL.


As crenças anatômicas / estruturais da disfunção na coluna vertebral foram invariavelmente baseadas nos achados de exames de  imagem radiológica. A imagem radiológica de rotina para dor lombar não é recomendada por diretrizes clínicas internacionais devido ao potencial de causar mais danos do que bem aos pacientes.


Já relatado anteriormente:  a manutenção das crenças e práticas culturais aborígenes era parte integrante da vida de muitos participantes desta entrevista; No entanto, pareceu que as crenças sobre a dor lombar eram vulneráveis ​​a influências de seus invasores.





Isso suscita preocupações sobre os efeitos prejudiciais das práticas de cuidados de saúde em dor lombar persistente orientados para o modelo biomédico ocidentalista.



A influência má dos signos do zodíaco.

Seriamos nós? Estendendo esse predicado a todos os profissionais de saúde que interagem com pacientes.








Além da colonia sugar riquezas e produzir morte e miséria, ainda a inserção de certos fragmentos culturais tornam ainda mais nefasta a prática do colonialismo, ligada ao capitalismo comercial de outrora.











quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

.da autonomia


Somos uma profissão autonoma?


Resposta: Sim, diz algum pedaço de papel amarelado preso a tantos outros dizeres inúteis.

Honestamente não somos autonomos.

Será que esses grilhões de hoje algum dia serão arrebentados?


resposta: Não creio. Dependência e subdesenvolvimento, não são degraus para Indepenência e desenvolvimento... Tristemente são singularidades espaço-tempo de onde nada que é atraído para este círculo consegue escapar.


Pego emprestado do Nobilíssimo Prof.Dr.Florestan Fernandes ( 1920-1995 ) o conceito de Autonomização. 


A saber: trata-se da elevação do grau de autonomia de decisão e ação de um povo, em face dos destinos possíveis.



Como a Fisioterapia chegaria a esse ponto? 


Resposta: Fazer com que a sociedade nos entenda como realmente relevantes. Precisariamos ter uma sociedade mais crítica, logo mais bem educada, para além de uma Fisioterapia bem formada. Unindo estes dois elementos teriamos uma relação social diferente. Romperiamos com o ciclo de subdesenvovimento e dependencia modificando assim o modo de se fazer saúde em nossa realidade.


Entretanto sabemos que reformas gerais na educação de nosso país não fazem parte da agenda cafona dos representantes dos endinheirados no congresso nacional ( nossos políticos ), logo as coisas se manterão como estão. É preciso buscar alternativas factíveis.

Ou sairemos desse lodaçal de sucateamente e sabotagem que não deixam nossa profissão crescer ou morreremos tentando.