quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

.da dor ao suicídio

Existe associação entre dor persistente e suicídio? 


Decidi depois de arrumar nas estantes alguns livros discorrer sobre este assunto que foi colocado num grupo de discussões por um colega que me gerou algumas inquietações.


Por qual razão as pessoas abortariam uma vida já feita e estabelecida? A vida por muitos é tida como o bem mais precioso.

No ano de 2010, em um próspero país do norte do mundo, 38 mil pessoas optaram por matar-se. Seria uma média de 01 suicídio a cada quase 14 minutos.

A palavra suicídio vem da expressão latina “sui caedere”, que significa “matar-se”, e foi utilizada pela primeira vez em 1717 por Desfontaines. Este é um fenômeno especificamente atribuído à espécie humana.

Existem fatores de risco bem descritos na literatura sobre o risco para um suicídio consumado:

• Idade avançada;
• Gênero masculino;
• Tentativa anterior de suicídio;
• Distúrbios psiquiátricos (alguns deles apenas).

E o que é a dor? Podemos realmente defini-la?

Segundo a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) como sendo uma experiência emocional e sensorial desagradável associada com uma lesão tecidual real ou potencial ou descrita em termos de tal lesão. Entretanto quando Soren Kierkegaard postulou que quando você me rotula você me nega, o raciocínio de classificação do invisível (a dor) seria negá-lo? Como abraçar o invisível?

Pessoas acometidas por dor física persistente têm um enorme potencial de ativar uma cascata de eventos que estão direta ou indiretamente ligados ao risco de suicídio, afinal a dor física pode levar ao desenvolvimento de depressão e, esta por sua vez uma experiência, descrita como insuportável, de dor psicológica, que pode levar pessoas às vias de fato em um escape suicida.

A sensação de ser um fardo para seus entes queridos baseada na diminuição progressiva da sensação de bem-estar associada ao contexto do isolamento e sofrimento, onde a dor tornar-se o foco principal da vida do sujeito, minando pouco a pouco as relações interpessoais e a qualidade de vida.

Segundo Émile Durkheim a explicação deste fenômeno está na relação entre o indivíduo e a sociedade onde está inserido, a qual terá certa inclinação coletiva para o suicídio. Quanto mais profunda for à integração do indivíduo nos grupos sociais, menor a probabilidade de este se suicidar e vice-versa. Percebemos aqui, mesmo num contexto diferente como era o de Durkheim, que as relações sociais, ou seja, o não-isolamento era visto como importante.

Aos profissionais que lidam diariamente com pessoas em sofrimento nos mais variados níveis e nuances, saibam que existem escalas simples que podem ser aplicadas para verificar, por exemplo, o destemor sobre a morte [13-item Psychache Scale] e a [The Mee-Bunney Psychological Pain Assessment Scale - MBPPAS] utilizada para mensurar o sofrimento tangível à dor psicológica (nas palavras dos autores).

Hoje buscando por textos sobre o existencialismo achei uma obra intitulada “Joe” do ano de 2009, escrito por André D. Cancian.
Não poderia deixar de citar uma pequeno parágrafo da descrição da obra que chamou-me a atenção.
[...] Encarnando essa proposta, temos então Joe, um personagem essencialmente solitário e mal humorado, que odeia interações humanas, e cujos traços mais proeminentes são o sarcasmo, o cinismo e a apatia. Sua vida é basicamente uma sequência de eventos aleatórios, destituídos de significado, em que ele se vê acontecer inutilmente numa atmosfera de tédio e misantropia. Um detalhe é que em uma das chamadas de marketing havia um subtítulo [...] um convite ao suicídio, o que dado a descrição deste parágrafo parece-me muito claro.

Um fragmento da obra de Schopenhauer ilustra um pouco do contexto do isolamento trazido pela nobreza do ser e a individualidade das ações. [...] A Vida é Dor. Quem deseja, sofre; quem vive, deseja; a vida é dor. Quanto mais elevado é o espírito do homem, mais sofre. [...]

Não busquem julgar o sofrimento de seus pacientes como válido ou não. BUSQUEM APENAS AJUDAR

Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana... Carl Gustav Jung


Fontes:

Jill M. Hooley. Joseph C. Franklin. Matthew K. Nock. Chronic Pain and Suicide: Understanding the Association. Curr Pain Headache Rep (2014) 18:435

Ricardo Rodrigues Teixeira. Três fórmulas para compreender "O suicídio" de Durkheim. Interface (Botucatu) [online]. 2002, vol.6, n.11.


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terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Estamos realmente falando em Saúde?


O filosofo da suspeita Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) emite seu parecer sobre saúde:

A objeção, o desvio, a desconfiança alegre, a vontade de troçar são sinais de saúde: tudo o que é absoluto pertence à patologia.

Essa percepção nietzscheana faz-me lembrar mais dum conceito do que duma categoria. Sempre é válido lembrar de que um conceito trata-se, do que se trata, ou, do que é algo [definição], já categoria, como diria o professor Ernesto von Rückert, é o tipo de realidade que se enquadra algo que foi ou pode ser definido.

Incorro no risco de soar delirante, mas é preciso entender que a saúde, como a entendemos nesse universo ocidental, tem hoje (2019) uma definição [geralmente utilizamos a definição da WHO], mas torna-se ao mesmo tempo uma categoria quando esse conceito metamorfoseia-se de 1977 [Boorse] para a definição que utilizamos nos dias atuais. Da simples ausência de doença ou enfermidade [Boorse] para um estado de completo bem-estar físico, mental e social, não apenas a ausência de doença ou enfermidade [Nordenfelt].

O escritor maldito, para alguns, Eduardo Galeano certa feita escreveu:

A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.

Nossa utopia em saúde nos fez e faz caminhar. Digo utopia pois “ um estado de completo bem-estar [...]” torna-se impossível de se alcançar, mas nos move, e manter o mundo girando é algo importantíssimo, mas ao conceituar ou categorizar de forma equivocada a saúde, todo um sistema pode gerar ações falhas.

Se não entendemos bem a saúde, como poderíamos entender seus desdobramentos positivos ou negativos?
No séc.XVI havia diagnósticos de doenças que existiam apenas na mente dos escravistas do sul dos Estados Unidos da América, como a Drapetomia que classificava o desejo de fuga do escravo como uma doença mental tratada com açoites, para além de outras excrescências como a Disestesia Etiópica também tratada com a chibata curativa do branco para corrigir a falta de motivação da mercadoria negra para o trabalho.

Como objeto-primo temos a vida, afinal mortos ou não-nascidos não expressam saúde ou mesmo doença. O indivíduo vivo [infelizmente] não é um ente isolado, mas também não nos compararemos aos superorganismos dos coletivos de formigas, e como elementos dum conjunto maior temos certas similaridades para o bem ou para o mal. Exemplificando: a elevadíssima prevalência da dor musculoesquelética no Brasil/mundo. Se a dor for considerada um desdobramento ruim dum corpo vivo que já não cumpre a exigência ditatorial do estado de completo bem-estar, podemos entender que os sujeitos que estão nesse subconjunto não tem saúde. No caso no Brasil temos a população total do estado de São Paulo (44 846 530 de habitantes) somada a População do estado do Rio de Janeiro (16 690 709 de habitantes) [IBGE – 2016]. Pelo menos 60 000 000 de habitantes no Brasil sem saúde. Isso é possível? [não estamos levando em consideração outros eventos que implicam na quebra da cláusula única da saúde]

Há possibilidades duma vida livre de miséria, vícios, iniquidade, discriminação, violência, opressão, desigualdade social e guerra? Esses são essencialmente problemas de vida quotidiana.
Constatou-se que a desigualdade na distribuição da renda, por exemplo, é prejudicial como um todo e não somente para os menos favorecidos. Ou seja, mais riqueza individual não necessariamente pode ser traduzida como melhorias nas condições de saúde dum grupo mais abastado. O que garantiria isso, em partes, seria uma distribuição de renda mais igualitária, mas ainda sim existiriam problemáticas, mais discretas naturalmente, que impediriam as pessoas de alcança a saúde plena, baseado no conceito da WHO.

Novos debates científicos, afirmam que cada definição de saúde deve conter pelo menos 09 características para funcionar bem dentro do campo científico clínico.
1. A saúde deve estar além da ausência de doenças ou enfermidades e dos parâmetros biofísicos para evitar o velho reducionismo bem estabelecido da medicina;
2. A saúde deve ser conceituada como uma capacidade, um conjunto de capacidades;
3. A saúde deve ser vista como um processo contínuo, iterativo e dinâmico, e não como um estado que alcance;
4. A saúde deve ser potencialmente alcançável para todos na vida real, em todas as circunstâncias, em todas as idades, independentemente do status cultural, socioeconômico, racial ou religioso, para evitar tornar-se uma utopia;
5. A saúde deve incluir tanto mal-estar quanto bem-estar. A inclusão do mal-estar em uma definição de saúde é estratégica para contrastar a medicalização da sociedade e reduzir o viés cultural para considerar a saúde como uma condição ideal: permite ter expectativas realistas sobre ela e ser saudável mesmo quando se está lidando com eventos negativos;
6. A saúde deve superar as abordagens que visem o individual, porque ela não pode mais ser considerada uma propriedade de um indivíduo abstrato independente dum contexto vivo, mas, ao mesmo tempo, a saúde não pode ser reduzida somente a um resultado de determinantes sociais;
7. A saúde deve ser independente do um discurso moral e ético, mesmo que seja inevitável que cada definição de saúde seja uma expressão implícita de determinadas normas socioculturais;
8. A saúde deve basear-se nas prioridades, valores, necessidades, aspirações e objetivos de uma pessoa . Rejeitando uma perspectiva nomotética falaciosa (a crença de resolver efetivamente um problema ao nomeá-lo) que visa encontrar leis gerais que expliquem fenômenos de saúde para todos os indivíduos;
9. A saúde deve ser operacional e mensurável por processos claros, concretos e definidos para se tornar um conceito útil em situações reais.

Baseado nessas 09 premissas, no ano de 2018 Fabio Leonardi define que “em termos mais operacionais, a saúde pode ser conceituada como a capacidade de reagir a todos os tipos de eventos ambientais, tendo as respostas emocionais, cognitivas e comportamentais desejadas e evitando aquelas indesejáveis”.

Antes de pensar em dor, pensemos em saúde e façamos uma análise do que rumo essa prosa anda tomando e sejamos críticos quanto a nossas ações.


Igor Caio Santana de Andrade
Fisioterapeuta e joalheiro amador
(20/01/19)
Postado originalmente em:<https://dorecoluna.com/2019/01/22/estamos-realmente-falando-em-saude/>
Foto: Det sjunde inseglet (O Sétimo Selo] é um filme sueco de 1956, do gênero drama, escrito e dirigido por Ingmar Bergman.
Sinopse: após dez anos, um cavaleiro retorna das Cruzadas e encontra o país devastado pela peste negra. Sua fé em Deus é sensivelmente abalada e enquanto reflete sobre o significado da vida, a Morte surge à sua frente querendo levá-lo, pois chegou sua hora. Objetivando ganhar tempo, convida-a para um jogo de xadrez que decidirá se ele parte com a Morte ou não. Tudo depende da sua vitória no jogo e a Morte concorda com o desafio, já que não perde nunca.

sábado, 17 de março de 2018

.da observação

No ano de 2014 o Dr Adriaan Louw discorreu em um estudo de caso onde o processo terapêutico de educação em neurociência visaria auxiliar o paciente a ganhar compreensão sobre os processos biológicos relacionados ao seu estado de dor. Esse processo foi administrado essencialmente a distância. Essa possibilidade pode ser uma solução para pessoas em sofrimento em áreas remotas ou indivíduos com restrições temporárias e financeiras (vide a situação economica do Brasil).


Quem tem dor interessa-se muito em saber sobre suas reais condições dolorosas, e muito se enganam os profissionais que tem subestimado a capacidade dos pacientes em compreender questões mais complexas relacionadas com a dor, como foi constatado pelo Prof. Dr. Lorimer Moseley e sua equipe.

Evidências de um efeito muito positivo envolvendo aspectos educacionais, onde pacientes que possuem quadros persistentes (crônicos) de dor musculoesquelética passaram a compreender melhor sobre a neurobiologia e a neurofisiologia dos eventos dolorosos são um facto.

Os efeitos positivos, já citados, agem também nos aspectos da incapacidade, catastrofização e desempenho físico dos sujeitos abordados, além de alterar a percepção da dor e a sua associação com o medo. Elevam também  o limiar de dor durante as tarefas físicas gerando mais confiança e tranquilidade e, por conseguinte mais conforto para os pacientes.

Neste contexto vale chamar a atenção para a importância de uma avaliação esclarecedora, onde o centro da questão é o paciente e não seus exames de imagem. Dar atenção ao seu cliente nunca foi nem nunca será uma perda de tempo. 

Repensem seus conceitos, analisem as evidências e façam um excelente trabalho.

Por fim deixo a provocação: Educar a distância, ao menos nesse estudo de caso, funcionou bem. Reduziu custos ao indivíduo em questão, mas isso provavelmente reduziria ganhos Financeiros dos Fisioterapeutas envolvidos. Você estaria disposto a fazer a diferença, mesmo sem receber nada por isso? Parece-me que no Brasil há alguns impediemntos ético/deontológicos ligados ao nosso código de ética, com relação a valores e a atendimentos não presenciais.

Eu entendo que a ETN é uma parte do todo e não o todo.

Como definir essa linha entre o Moral e o ético? Estariamos nós prontos para viver como [cães/cínicos*]?




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Adendo 01: A citação base do texto é um estudo de caso, mas as coisas tem de começar de algum ponto.

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24779489


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κυνικός kynikos, igual a um cão, κύων (kyôn) Cão

Leilão dos Filósofos, de Luciano de Samosata (sésculo II da Era Vulgar)


Mercúrio: Ó tu, que levas o bornal, e a túnica sem mangas, vem, e participa um pouco da reunião. Estou vendendo uma vida máscula, uma vida ótima e corajosa, uma vida livre: quem compra?

Comprador: Ó vendedor, que dizes? Vendes alguém que é livre?

Mercúrio: Sim.

Comprador: E não temes que te acuse de vende-lo como escravo, e te denuncie no Areópago?

Comprador: Que se poderia fazer com alguém tão sujo, miserável e esfarrapado? Simplesmente faze-lo cavar a terra ou carregar água.

Mercúrio: Poderia também trabalhar como porteiro, muito mais fielmente que os cães. É verdade: ele tem tudo do cão, inclusive o nome.

Comprador: De onde ele é? E o que ele afirma saber?

Mercúrio: Pergunta a ele, pois é melhor assim.

Comprador: Esse rosto escuro e severo faz-me temer que, se me aproximo, latirá e me morderá. Vê como levanta o bastão, encrespa as sobrancelhas, e olha arrevesado e ameaçador?

Mercúrio: Não temas: é cão doméstico.

Comprador: Diz-me, primeiro, homem tolo, de onde és?

Diógenes: De todos os países.

Comprador: Que queres dizer?

Diógenes: Que sou cidadão do mundo.

Comprador: De quem és discípulo?

Diógenes: De Hércules.

Comprador: E por que não vestes também a pele de leão? A clava tens como a ele.

Diógenes: Esse manto é para mim pele de leão. Como Hércules, faço guerra aos prazeres; e não dando ordens como ele, mas, pessoalmente, assumi a tarefa de purificar a vida humana.

Comprador: Bela tarefa: mas que sabes particularmente? Que arte possuis?

Diógenes: Eu sou o libertador do homens, o médico das suas paixões; em suma, sou o profeta da verdade e da franqueza.

Comprador: Veja só, o profeta! E se te compro, como me ensinarás?

[Diógenes: Se te assumo como discípulo, despir-te-ei da moleza, encerrar-te-ei na pobreza, como nesse manto. Obrigar-te-ei à fadiga, a cansar-te, a dormir por terra, beber só água, alimentar-te de qualquer comida ao acaso. Se tiveres riqueza e quiseres escutar-me, joga-la-ei ao mar. Não pensar em mulher, em filhos, em pátria; serão como nada para ti; e deixando a casa paterna, habitarás um sepulcro, uma torre abandonada, até um barril. Levarás o bornal cheio de tremoços e de cartapácios abarrotados de escritura; e nessa mísera condição dirás que és mais feliz do que o grande rei. Se te flagelam ou te torturam, dirás que não há dor.]

Comprador: Que dizes? Os açoites não provocam dor? Eu não tenho a pele como o casco da tartaruga ou do caranguejo.

Diógenes: Seguirás a máxima de Eurípedes, com pequena modificação.

Comprador: Que máxima?

Diógenes: O coração sofre, sim; a língua diz: não. As qualidades que deves ter são essas: ser desavergonhado e arrogante, insultar a todos igualmente, sem ter respeito por reis ou particulares; e assim todos te admirarão e te considerarão corajoso. Deves ter um modo de falar bárbaro, uma voz estridente como um cão, um rosto desdenhoso, um andar estranho, tudo o que possui um a besta selvagem; nem pudor nem doçura nem moderação nem vergonha na cara. Vai a lugares mais freqüentados, e ali permanece só, despreza a todos, foge da amizade e da hospitalidade que arruinariam o teu reino. Faz em público aquilo que os outros se envergonham de fazer em privado, as mais ridículas e torpes luxúrias. Enfim, quando te venham a vontade, morre comendo um polvo cru ou uma lula. Essa é a felicidade que prometo.

Comprador: Vai-te daqui, são coisas sujas e bestiais.

Diógenes: Porém são fáceis, e todos podem praticá-las; não há necessidade de ensinamentos , de discursos, e de outras bobagens, mas por um atalho alcanças a glória. E se és um inepto, um engraxate, um açougueiro, um ferreiro, um servente, tornar-te-ás um homem importante se te mostrares audaz e impudente, e se souberes insultar bravamente.

Comprador: Vai-te daqui, não necessito de ti; mas talvez pensas ser um navalestro, ou quem sabe um hortelão. Se quiserem vender-te por no máximo duas moedas...

Mercúrio: Leva-o, fechemos o negócio rapidamente com prazer; este grita, insulta, faz sermões, provoca confusão com todos, e tem o diabo no corpo.



Fonte: Luciano, Vitarum auctio, 7-11

Diógenes fala para Alexandre III da Macedônia, para que pare de falar e não mais obstrua seu sol.

sábado, 3 de março de 2018

. intervenção ou morte

Qual a verdadeira razão da Fisioterapia ainda, em sua maioria, navegar nos mares do início do Séc. XX em suas interpretações de efeitos de intervenções?

  • Ignorância?
  • Falta de caráter?
  • Um combo com as duas opções acima.

 A terapia manipulativa, como exemplo. 

Quem de nós praticantes nunca teve contato com grandioso trabalho do grupo do Prof. Bialosky "The mechanisms of manual therapy in the treatment osf musculoskeletal pain: a comprehensive model" publicado na Manual Therapy em 2009, ou antes com "Neurophysiological effects of spinal manipulation" do Professor Pickar. 

Caso você pratique TM e nunca leu estas obras, flagele-se e depois leia com muita atenção esses trabalhos retrocitados, pois mudarão a sua vida. Puxando a orelha, ainda, do praticante de TM no Brasil [que lê muito pouco]: torçamos para que a Senhora ou o Senhor tenha em sua mente as red flags para manipulação. Na graduação falavam em minha turma de contra-indicação relativa e absoluta. Caso não saiba isso. Interrompa imediatamente suas práticas, pois você pode inclusive matar alguém.


O Teste de Insuficiência vertebrobasllar (IVB) um dos queridinhos dos doutos que manipulam cervical.

Um análise feita no livro de acurácia diagnóstica de testes do Prof Chad Cook, nos diz que:

"existe muito debate sobre a segurança e a aplicabilidade dos testes de IVB. Recomendamos que não se realize o teste de IVB se houver sinais significativos no histórico do paciente. O teste pode reproduzir os sintomas e pode ser perigoso se aplicado de modo inadvertido. Além das queixas dos pacientes listadas aqui, dormência ao redor da boca, ansiedade e outras sensações neurológicas devem ser investigadas. O protocolo selecionado está associado com a literatura que promove a rotação na amplitude máxima. Outros descreveram testes que incluem extensão, rotação e extensão e tração. Todos podem ser benéficos. Embora o teste de IVB tenha sido associado à redução mensurável no fluxo sanguíneo, os pacientes raramente demonstram sintomas clínicos, levando a potenciais resultados falsos-positivos."

Confiabilidade, Sensibilidade, Especificidade, RV+, RV-, QUADAS: Não foram testadas. O score de utilidade deste teste ainda é um enigma.

Logo a segurança que meia duzia de professores falou existir quando este teste é positivo ou negativo, não existe (pelo menos ainda).

São tantas questões para debatermos, são tantos pontos para ligar.

O recado desse mini-texto é: façamos uso daquilo que nos pertence, mas saibamos retirar das entrelinhas dos Versos Íntimos o que vale esta fala.


Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.

Somente a Ingratidão - esta pantera -

Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
       O Homem, que, nesta terra miserável,        

Mora, entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

[A mão que afaga é a mesma que apedreja.]

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija!


     ( Versos Íntimos - Augusto dos Anjos )


Usamos aqui, como exemplo, uma ferramenta de centenas de milhares que temos ao nosso inteiro dispor, porém muitas vezes não usar é mais útil que usar na insegurança.


Nos EUA recentemente a modelo Katie May faleceu após uma procedimento realizado por um Quiropraxista. Aqui no Brasil essa fatalidade cairia certamente sob algum colega Fisioterapeuta, uma vez que em nosso país temos a autonomia dos procedimentos de maniulação vertebral (desde que treinados para isso).

Katie May postou no Twitter que estava com um nervo comprimido no pescoço e que seria atendida por um quiroprático.**

Erro Crasso* do Chiropractor pois a modelo havia sofrido uma queda durante um ensaio fotográfico. Ela achou que havia lesionado um nervo e, por isso, foi até Los Angeles, nos
Estados Unidos, onde procurou, no dia 29 de janeiro. Havia nesse contexto uma semáforo que piscava em vermelho vivo, vermelho cor de sangue, mas por alguma razão, que não genética, o Chiropractor foi acometido por algum tipo de discromopsia ( Daltonismo) ou mesmo uma cegueira inatencional.








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*Marcvs Licinivs Crassvs ou Marcus Crasso, foi membro do primeiro triunvirato - antes dos Caesares do tempo de Otaviano Augusto-. Sugiro a leitura do belíssimo texto De Sula ao “1º triunvirato”: o legado de Crasso e Pompeu, escrito pelo Egrégio Professor Rui Morais da Universidade de Coimbra em Portugal. Em poucos termos o Primeiro Triunvirato, do latim: trium- (três) e vir (homem) foi uma aliança política formada por Júlio César, Pompeu, o Grande e Crasso (59 a.C. – 53 a.C.).



Crasso tentou dominar o império Parta (vizinho) enquanto governava a província da Síria. O Império Parta ou Império Arsácida (em persa: اشکانیان)  foi uma das principais potências político-culturais iranianas da antiga Pérsia.  

A intenção de  atacar esse império era apenas para tentar equiparar-se em termos de vitórias aos seus colegas Júlio Cesar e Pompeu.

Houve a recusa da ajuda de 40 000 soldados do Rei da Armênia e ainda opta por um caminho pouco recomendado para condução de tropas.

Marcvs Crasso é Derrotado por uma força numericamente inferior associado ao seu senso débil de geografia, e da sua questionável habilidade bélica e estratégica.

Os soldados Partas eram arqueiros fantásticos, que atiravam montados tanto para frente quanto para trás.

A organização das legiões de Crasso transformaram os soldados da Roma dos deuses do lar em alvos estúpidamente imóveis. Nesse contexto lamentável os homems de Crasso quase se amotinaram contra ele, e exigiram que ele buscasse resolver a vendeta de forma diplomática.

Muito a contra-gosto, e enlutado pela morte de seu filho, o Governador da Síria segue para a comitiva Parta para tentar um acordo. Antes de avançar com seu cavalo, seus oficiais desconfiados de uma armadilha, impediram crasso de seguir em frente, o que gerou um luta instantânea com a comitiva Parta.

Moral da história. Todos os Romanos foram mortos, inclusive Marcvs Licinivs Crassvs. Contabilidade da Batalha: 20 000 Romanos Mortos e cerca de 10 000 prisioneiros.
Toda essa carnificina em razão de ciúmes dos feitos alheios somada a uma habiliade limitada de comando e estratégia de guerra.

Leia:

Bialosky JE, Bishop MD, Robinson ME, Price DD, George SZ. The mechanisms of manual therapy in the treatment of musculoskeletal pain: a proposed comprehensive model. Man Ther, 2009:14; 531-538. PMID: 19027342


Matamos a cobra e mostramos o Pau.


**Tema para outro assunto, mas até quando as crenças biométicas ( estruturais, patológicas e anamtomicas) vão continuar sendo fomentadas por profissionais gerando cada vez mais medo na população, fazendo com que esse medo transforme-se numa passagem para o maravilhoso mundo das intervenções. Quanto mais tempo você passa no trânsito, maiores são as possibilidades de um asteróide cair no seu carro ou de Globtroter da Volvo lhe acertar em cheio.




terça-feira, 2 de janeiro de 2018

.da segurança da espera

A Dor Lombar (lombalgia) foi tratada anteriormente como o resultado de uma doença de tecidos que envolvia fatores estruturais, anatômicos e Biomecânicos (nosso famoso modelo Biomédico pouco eficaz), e por essa razão comumente era tratada cirurgicamente e como recomendação seguinte, o repouso era a Lei. (não se levava em consideração os efeitos deletérios do repouso prolongado ao sistema musculoesquelético).


Inclusive neste contexto, lamentavelmente, a Fisioterapia abraçou esse modelo falido, buscando a correção não-cirúrgica desses “disparates estruturais” perseguindo mais e mais os possíveis movimentos passivo/ativos falhos, do que o entendimento dos mecanismos básicos da dor e implicações mais profundas das disfunções em todo o seu contexto.


Dentro do universo da dor lombar e da dor ciática exploraremos o que a literatura científica séria tem a nos falar das grandes herniações e qual a tomada de decisão mais vantajosa aos pacientes.



Mesmo que a história natural das hérnias não é totalmente clara na literatura para que intervenções cirúrgicas sejam tomadas o The Royal College of Surgeons of England, no ano de 2010, sob o comando do Dr. Benson, publicou um estudo onde 37 pacientes com Dor Ciática Severa foram avaliados clinicamente e acompangados por Imagens de Ressonância Magnética (IRM) com intervalos de 06 em 06 meses por 02 anos. Com uma reavaliação do quadro (follow-up) em 07 anos.

Segundo Wilson & Campbel, uma hérnia discal pode ser considerada gigante quando seu volume ocupa mais de 50% do canal acometido.


Wilson
Campbell










Os eleitos para o estudo com a apresentação de dor ciática severa, começaram a apresentar melhoras clínicas importantes apesar das grandes hérnias discais volumosas nos exames de imagem.

AS RESPOSTAS PARA ESTE ESTUDO FORAM:



  • É seguro a adotar uma política de "esperar para ver" mesmo para os casos de Hérnias de Disco volumosas caso haja qualquer sinal precoce de melhora clínica;




  • Quando a evolução clínica for evidente, 83% dos casos de Hérnia de Disco volumosas terá uma melhora sustentada;


  • Apenas 17% dos casos terão crises recorrentes e de volta a dor e ciática;

  • Se houver evidência de melhora clínica, as Hérnias de Disco volumosas parecem não implicar em um risco para maiores danos nos nervos ou mesmo Síndrome da Cauda Eqüina (uma condição grave da Coluna que classicamente caracteriza-se pela compressão das raízes nervosas lombares, sacrais e coccígeas distais ao término do cone medular na altura das vértebras L1 e L2. Apesar de se tratar de uma doença de baixa incidência na população, girando em torno de 1 para 33.000 a 1 para 100.000 habitantes, suas sequelas ainda geram altos custos para a saúde pública); 

  • As Hérnias Discais volumosas normalmente reduzem-se em volume e por 6 meses a maioria são apenas um terço do seu tamanho original.

  • Neste estudo os exames de imagem foram usados para medir o volume das herniações. Perceba que não há um discurso contra os recursos imaginológicos pela Fisioterapia.

Lutamos apenas para que esses recursos sirvam para o bem comum, e que sejam administrados de forma coerente, sem gerar fomentar as crenças de fragilidade para os pacientes.



REFERÊNCIAS:

  • Benson RT, Tavares SP, Robertson SC, Sharp R, Marshall RW. Conservatively treated massive prolapsed discs: a 7-year follow-up. Ann R Coll Surg Engl. 2010 Mar;92(2):147-53. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19887021